O veneno que Cochrane escolheu para si e o caminho que ele tomou
podem nos contar sobre a influência de Saturno e da Lua em sua vida. Ele
escolheu ir embora temperado por Saturno e usar o caminho da Lua,
através da aliada Beladona. Talvez na escolha da aliada que iria levá-lo
à Companhia Oculta possamos entender mais sobre a abordagem de Cochrane
ao coração da matéria, o Círculo de Tubal Caim – e, deste modo,
entender as polaridades mágicas de sua Pellar Craft, que ele
demonstrou de formas aparentemente estranhas, até onde se relaciona o
seu suicídio ritual. As polaridades que tenho em mente são aquelas entre
a Chance ou Destino e a Sabedoria (ambas em sua oitava feminina, bem
como na forma exigida pelo Senhor dos Chifres), assim como podem ser
vistas nos mistérios mantidos dentro dos reinos de Tubal Caim e da
Senhora Fortuna. Há uma gravura francesa do século XVI que é notável no
caso da compreensão de Cochrane sobre o Destino como uma Deusa.
Nesta gravura, retratada no livro de Paul Huson, vemos a Senhora
Fortuna sentada em frente à Senhora da Sabedoria (MOT, pág.37). A
Senhora Fortuna está vendada, segurando a roda da humanidade em sua mão
esquerda. A Senhora da Sabedoria, por outro lado, monitora
cuidadosamente o cosmos e se certifica que sua imagem seja refletida
dentro da criação, aqui simbolizada adequadamente como o espelho, que
ela segura em sua mão direita. A Roda da Fortuna está sob o domínio da
Senhora Fortuna e deve ser refletida pela sabedoria, já que a Senhora
Destino é concebida como cega – ou deveríamos dizer que sua cegueira
obriga a humanidade a abrir seus olhos à influência de Destino? É minha
crença que Cochrane percebeu alguns profundos ensinamentos durante o
período de dificuldades com Jane, que foi usada pela Senhora Fortuna e a
Senhora Sabedoria para mexer em sua alma e aspiração, rejuvenescer sua
alma, e talvez ainda mais, em um nível superior de perfeição e
humildade. Esta, acredito, é a melhor forma de visualizar o infortúnio,
como uma lição que interfere em nossa alma para uma condição melhor.
Pode-se ter a impressão de que ele simplesmente desistiu face ao
infortúnio (ou ‘Miss Fortuna’, se preferir) e procurou uma saída digna.
Ao fazer uma busca nas próprias palavras de Cochrane, é possível
encontrar uma pista para este enigma, e talvez extrair uma lição.
As premissas para a visão de Cochrane sobre a Bruxaria são bastante
simples. Ele diz em um de seus poucos ensaios: “Todo pensamento místico é
baseado sobre uma premissa maior: a compreensão da verdade como oposta à
ilusão” (RT. Pág.49). E esta verdade é “em essência, meios pelos qual o
homem pode perceber sua própria divindade inerente” (ibid. 51). Ele usa
as discussões sobre bruxaria nos anos 50 e 60 como um espelho desse
fato, quando comenta que na bruxaria as ideias que as pessoas do meio da
bruxaria tinham em seu tempo continham tanta superstição e ilusão
quanto fora dessa esfera. “A Fé está finalmente atinente com a
Verdade… trazendo, como faz o homem em contato com Deuses, e o homem em
contato com si próprio” (ibid. 56). Cochrane opôs-se a tal ponto
contra as formas dogmáticas e superstições que ele viu crescendo em
relação à Wicca simplesmente porque aqui ele observou que a verdade foi
substituída por ilusão. Pode-se, naturalmente, ver-se isso de duas
formas, quer como uma tentativa de colocar-se a si próprio sob os
holofotes do crescente interesse pela bruxaria nos anos 60, quer como um
homem honesto em sua repulsa pela forma em que a crescente comunidade
Wiccana caminhava cada vez mais para longe das diretrizes básicas da
Arte, do Mestre Chifrudo e da Senhora Escura e em uma reverência dos
ciclos da natureza, com uma Deusa muito mais do que maternal em foco.
Como ele disse: “A filosofia inerente à Arte sempre foi fluida, e o
que é fluido deve se transformar novamente antes de desaparecer sob um
monte de tolices cediças, teologia cozidas pela metade e filosofia” (ibid. 51). Isso ele demonstra muito bem no ensaio The Faith of the Wise,
de 1.965, no qual enfatiza a importância da Experiência, Devoção e
Visão como ferramentas em direção ao abraço da verdade. Isto porque a fé
não possui nenhum segredo no sentido de que existem certas fórmulas que
podem ser prontamente entendidas e ensinadas. Pelo contrário, ele diz
que a verdade só pode ser apreendida através do “duro trabalho
devocional”, e isso conduz à visão em que se tem uma experiência direta
da verdade. Fica evidente aqui a ênfase das qualidades lunares na visão
de Cochrane sobre a Arte. Tanto as técnicas e objetivos, quanto as
advertências dos perigos, estão sujeitas à lua. O perigo envolvido na
Arte é algo que Cochrane estava muito consciente, e seu suicídio ritual
pode indicar que nós, que fomos deixados com seu legado em escritos – e
que nos sentimos atraídos ao seu espírito – devemos tomar conhecimento
disto. Ele diz: “Primeiramente o Roebuck in the Ticket[1]
representa o espírito de sacrifício e liderança. Também pode
representar a idéia de destino na velha forma Anglo-Saxã de ‘Shapers’[2], as que criam o futuro que temos que viver” (ibid. 85). Ele entendia muito bem o perigo ao assumir a herança da Arte, e, visto seu fascínio pelo livro The White Goddess
de Graves, e sua percepção dentro do mistério demonstrado, ele também
sabia como a Mãe Lua pode tanto alimentar quanto devorar sua cria. De
certo modo, é possível ver em Cochrane as dificuldades de balancear a
Senhora Fortuna e a Senhora Sabedoria em sua vida. Entender pela visão e
inspiração é diferente de ser desafiado por Tubal Caim e tendo a nossa
ferocidade temperada – o desafio dado no que Cochrane chama de
“superação do Destino”. Este desafio também pode ser visto na idéia de
iniciação de Cochrane. Ele diz: “Quando os iniciados tomam o
juramento completo do coven eles estão se submetendo à vontade de
Hécate. De certo modo, ao fazer isso, eles então se tornam o Roebuck in
the Thicket, porque eles escolheram seguir o caminho que ela selecionou
para eles” (ibid. 92/93).
Abraçar o destino a fim de superá-lo pode ser visto em termos
alegóricos como abraçar a Lua enquanto se é armado com Saturno. Isso
tudo é relacionado com o Tempo, Cronos – e ao subjugar o Pai Tempo e
agarrar a conexão com todas as coisas dentro do Tempo é que podemos
estabelecer uma fundação para compreensão e, então, uma profunda
superação de todos os desafios, até do próprio Destino. Cochrane foi
claro em como ele entendeu a importância da Morte, outro domínio
profundamente relacionado à esfera de saturniana. Saturno sem
compreensão facilmente se transforma em depressão, abrigando elementos
maléficos na vida da pessoa, criando uma perspectiva negativa da vida e
fatalismo. Assim como Luna pode fornecer a experiência visionária de
profunda verdade, ela também pode dar o golpe doloroso que leva à queda
na ilusão – ao abismo onde Saturno e a Lua tomam parte em uma união
misteriosa.
Cochrane sabia disso, mas aparentemente foi incapaz de se levantar
deste abismo de união maléfica e misteriosa das poderosas forças em sua
vida. A Senhora da Sabedoria lhe deu uma mente clara, mas ele escolheu
entrar através da aliada Mãe Lua no Castelo da Rosa Imortal. No que diz
respeito à morte, suas ideias e considerações eram belas e diretas ao
ponto. Ele disse: “Nada é dado se nada for feito, e qualquer coisa
que criamos agora cria o mundo no qual existiremos amanhã. O mesmo se
aplica à morte: o que temos criado em pensamento, criamos naquela outra
realidade. Também deveríamos nos lembrar que Desejo foi a primeira das
coisas criadas” (ibid. 70). E, infelizmente, ele escapou do caminho
que Destino deitou à sua frente ao passar para o Castelo, da forma que
ele fez, no lugar de superá-La. É quase como se ele seguisse a direção
contrária de seu melhor discernimento, quando convidou Beladona para
levá-lo. Ele disse: “As Três Irmãs também eram consideradas as guardiãs
do Caldeirão da Criação, que é lugar onde o passado, presente e futuro
são como um, ainda que em estado de fluxo, movimento e potencial
prometido” (ibid. 88/89). O que novamente nos leva ao desafio final: “Então,
de certo modo, quando começamos a procurar a Deusa e sua magia,
estamos, com efeito, nos tornando o caçador. Ainda assim, quando então a
encontramos nos tornamos a caça, porque a Deusa nos prega ao chão, e
faz-nos dela para sempre” (ibid. 90).
É nesse desafio, quando a mesa vira, que precisamos ser fortes e
focarmos na superação através da compreensão e, então, aplicarmos a
experiência prática que já temos – isso é crescimento. Sem Saturno
existiria pouco progresso, sem a Lua existiria pouca visão. A conjunção
destas forças em uma unidade superior de aceitação, já que o destino de
cada um é único e grandioso não importando o quão insignificante no
grande esquema, é ainda a maior força na vida de cada um e de todos.
Destino não é relacionado ao infortúnio, na verdade, talvez devêssemos
pensar melhor sobre o termo infortúnio sob a luz do poder que Destino
nos apresenta em termos de desafios, dos quais as lições de crescimento
podem ser extraídas. Armados à semelhança de Tubal Caim, podemos
participar na forja do nosso próprio destino e embarcar com coragem na
ordália da superação – e é na luz do elemento do sacrifício relacionado
ao Corço (Roebuck) que ela é mais bem compreendida. Como falecido magister
da Cultus Sabbati, Andrew D. Chumbley disse: “O Caminho do Sacrifício
faz o Homem Completo”. Em outras palavras, quando Destino apresenta os
desafios e os enxergamos como infortúnios, isso significa que estamos
perdendo o conceito inteiro, que estamos rejeitando a Senhora da
Sabedoria e focando somente na cegueira da Senhora Fortuna, maldizendo
sua Roda da Fortuna. Com a maldição, caímos nos mais baixos caminhos do
ser do Pai Saturno, e nos engajamos em um processo de desintegração e
piedade que nos deixa cegos às ferramentas oferecidas de boa vontade por
Tubal Caim em nossa batalha no Castelo silencioso, onde nos encontramos
não somente com Ela – mas com toda a atrocidade e toda a beleza que
conhecemos como ‘Self’.
Um último e significante ponto a se fazer aqui está relacionado a
Destino ou fatalismo em um contexto mais filosófico. Parece que há uma
brecha entre Destino e Fatalismo. É como se ela pudesse inspirar o
abraço de Destino de formas entendidas como boas e/ou más. No passado,
quando o fatalismo era uma doutrina filosófica, não existia nada
significativamente diferente entre Destino e Fatalismo. O fatalismo
simplesmente se referia a uma submissão ao Destino, similarmente às
ideias de Cochrane. Ela não carregava nada de necessariamente mal ou
ruim em termos de um foco exclusivo na desgraça. Nos casos de
pensamentos fatalistas centrados ao redor de algum infortúnio
catastrófico, algo glorioso sempre viria na sua esteira. Porém, hoje em
dia, o fatalismo normalmente se refere a alguma desgraça inevitável que
está prestes a atingir a vida de alguém, ou refere-se a uma perspectiva
negativa de vida. Podemos também mencionar o ideal estóico, no qual o
suicídio poderia ser transformado em um ato de dignidade frente a
Destino, e assim receber a opção de ingerir o Cálice Envenenado, como no
caso de Sócrates e Sêneca. É importante ressaltar que os suicídios
destes filósofos foram exigidos pelo Imperador. Não foi uma escolha de
Destino, mas uma aceitação de Destino, uma saída honrosa de uma situação
que não podia ser transformada de modo favorável a eles.
Talvez Cochrane tenha visto o seu suicídio ritual dessa forma, como
uma reflexão da Mãe Lua ou, ainda, a vontade de Hécate, a saída
inevitável de uma situação que não poderia ser transformada para algo
melhor. Existe uma passagem interessante em uma de suas cartas a Joe
Wilson que poderia indicar tal atitude. Cochrane disse em relação às
“leis bruxas” o seguinte: “Não faça o que você deseja – faça o que é
necessário. Tome tudo que lhe é dado – dê tudo de si. O que eu tenho…
eu seguro! Quando tudo o mais estiver perdido, e não até então,
prepare-se para morrer com dignidade” (RCL:50). Talvez ele visse o
suicídio ritual, ao ingerir de bom grado o veneno que Destino lhe deu,
como uma forma digna de deixar o corpo terrestre para trás, a favor da
Companhia Oculta. Outra citação dele pode ser entendida de tal forma: “Ver
a Senhora não é suficiente… porque em Destino, e a superação dela, é
que há o ganho da chave da inspiração e da própria morte. Não existe
destino tão terrível que não possa ser encarado e superado, seja por uma
vitória concreta, ganha pela ação ou uma vitória mais profunda do
espírito engajado na batalha solitária do Self. A Senhora do Destino,
destino e danação são a provação, o Castelo das Ordálias, no qual
devemos nos encontrar, para vencer ou morrer” (RT:161). Pode
parecer que Cochrane se viu derrotado por Destino. Seu encontro no
Castelo e sua batalha lhe garantiram a morte, ou “polegares para baixo”,
para continuar nossa antiga alegoria romana relacionada ao seu suicídio
ritual.
Cochrane definiu a Arte de ser sobre a Verdade, Experiência e
Devoção. Todos esses elementos ele colocou sob a misericórdia de Hécate,
Mãe Lua, Senhora Fortuna ou Destino. Parece que ele pode ter esquecido
algo em sua identificação com o Corço, como o símbolo do sacrifício e da
liderança, que é a ferocidade e a coragem. De qualquer forma, seu
legado vive e sua centelha espiritual continua a inspirar. O que fazer
de sua morte prematura e sua atemporalidade ou temporalidade é ainda
matéria de uma multiplicidade de opiniões, e no final isso provavelmente
não importa, já que as visões e os ensinamentos que ele compartilhou
com aqueles que continuaram seu legado ainda estão lá para nutrir. Vendo
o crescente interesse em seu legado, podemos observar que ele ganhou,
enfim, a vida eterna. Ambas, as lições que ele aprendeu e dominou, e as
lições que o derrotaram, estão lá e podem servir como uma bússola no
caminho do peregrino.
[1] Nota da Tradução. Roebuck in the Ticket significa literalmente “Corço na Moita”.
[2] Nota da Tradução. “Shapers” significa literalmente “Moldadores da forma”.
Leitura recomendada:
Cochrane, Robert & Jones, Evan John (Ed. Mike Howard). 2001.The Roebuck in the Thicket. Cappall Bann. Abr. No texto, RT.
Cochrane, Robert & Jones, Evan John (Ed. Mike Howard). 2002. The Robert Cochrane Letters. Cappall Bann. Abr. No texto RCL.
Huson, Paul. 2004. Mystical Origins of the Tarot. Destiny Books. Abr. No texto MOT.
Frisvold, Nicholaj. 2010. Artes da Noite – A História da Prática da Bruxaria. Ed. Rosa Vermelha
Links Indicados:
+ Father Saturn, Mother Moon (Ensaio Original em Inglës)
+ The Clan of Tubal Cain (Página Oficial do Clã)
Fonte: http://www.deldebbio.com.br/category/colunas/bruxaria/